Friday 31 July 2015

OS AZULEJOS E A CAPELA DA MOITA LONGA

Sobre os azulejos da Quinta da Moita Longa, o Prof. José Manuel Landeiro, do Instituto Português de História, Arqueologia e Etnologia, da Sociedade de Geografia de Lisboa, da Junta Nacional de Educação, deixou-nos o seguinte testemunho[1]:

Dentre os azulejos que se encontram no Concelho da Lourinhã, queremos aqui evidenciar os que se encontram na Capela da Quinta da Moita Longa. Ali encontramos azulejos do séc. XVII, na frontaria do Templo. No Pórtico, do lado do Evangelho, há um painel, infelizmente muito danificado pelo Tempo, que representa o “Paraíso Terreal”. Este painel, onde se vêm figuras bíblicas como o Pai eterno, animais, a Tentação de Eva pela serpente que se encontra encostada numa árvore do bem e do mal, Eva e Adão a serem expulsos do Paraíso, é do séc. XVIII.



Quinta da Moita Longa

Quem seria o autor e onde teria sido confeccionado? Não custa muito a acertar. Sabemos que uma das grandes e mais importantes fábricas de cerâmica do séc. XVIII foi a Real Fábrica do Rato, tendo sido seu primeiro mestre Thomaz Brunetto, de Turim. A fábrica elaborou durante 67 anos. Talvez por indicação de Brunetto, o Marquês de Pombal, mandou de Itália José Verolli, que era mestre de cerâmica em Itália e depois de contratado por Pombal, em 1767, passou a dirigir a Real Fábrica do Rato, que nos deixou peças de cerâmica e azulejaria no Palácio de Queluz e outros em museus, nomeadamente o de Arte Antiga, às Janelas Verdes e em edifícios públicos e até em moradias particulares.

Atendendo à época e ao “estilo”, digamos assim, daquele painel e comparando-o com outra obras, outra arte com as atribuídas a José Verolli, mestre da Real Fábrica do Rato, não receamos afirmar ser este painel saído desta fábrica e ter sido seu autor o mestre José Verolli.

Os ceramistas antigos são como os pintores também antigos, que, geralmente, não assinavam as suas obras o que é pena e dá trabalho aos estudiosos para identificarem os seus autores. Mas, como diz o nosso povo, “pelos domingos se conhecem os dias santos” ou “pelo andar da carruagem se vê quem vai lá dentro”.

E sobre a capela da Moita Longa, escreveu[2]:  

Encontrámos ali um verdadeiro Paraíso Terreal, onde não falta nada que nos fale à sensibilidade do nosso espírito, que tanto se deleitou com esta nossa visita.

Quem terá a história desta Quinta, principalmente da capela?

A capela era da invocação do mártir São Sebastião, mas a imagem deste soldado da guarda imperial, não está lá, pois segundo informações foi roubada e encontra-se na igreja de uma das freguesias ali próxima.

No tecto da capela há um fresco que representa a “Aparição” de Cristo a Nossa Senhora”, este já muito sumido e gasto pelos anos. O altar é de primorosa talha do séc. XVII.

Toda a Quinta da Moita Longa constituiu para nós, quando a visitámos, um vislumbrante Paraíso Terreal, onde não falta a ribeira a fertilizá-la, as fontainhas, com imagens de diversos santos. Ali a água corre a jorros, o que não admira, pois que em épocas já muito distantes, foi muito larga e caudalosa.

Uma das belezas artísticas que encontrámos na Quinta da Moita Longa, foi um crucifixo sobre rochas pintadas a preto. Estas rochas imitam as do Calvário onde Cristo foi crucificado. Sabe-se pelo Evangelho que quando Jesus expirou, a natureza revoltou-se, fazendo tremer a terra, os raios faiscaram, as pedras fenderam-se, mortos ergueram-se nos seus túmulos. As rochas fenderam-se? Mas como?

Conta-se que um incrédulo visitou em tempos, os Lugares Santos da Palestina, onde lhe foram mostradas as pedras do Calvário. Examinou-as com minuciosa atenção, e, após o seu exame atento declarou atónito aos companheiros: “Tenho estudado muito a natureza e estou convencido de que estas rochas deviam ter sido fendidas no sentido dos seus veios e onde a sua coesão fosse mais fraca. Assim observei sempre em outras rochas, quando fendidas e quebradas por um Terramoto. E a própria razão me diz que assim deve ser. Mas aqui observo o contrário. Estas rochas são fendidas transversalmente aos veios de modo estranho e contra as leis da natureza”.

E este incrédulo, perante esta maravilha, declarou mais:

“Por isso dou graças a Deus que aqui me conduziu para ver este monumento do seu poder, que dá testemunho eterno ou divindade de Cristo”.

Teria certamente respondido como os judeus fizeram, quando perante a revolta da natureza no momento de Cristo ter entregado ao Pai o seu espírito, disseram “Na verdade, este era o Filho de Deus!” Ora o Crucifixo que nós nos estamos a referir, com as rochas por peanha, deve ser uma cópia fiel, do Calvário de Jesus.

Para nós, este crucifixo da Capela da Quinta da Moita Longa, vale um tesouro, como um tesouro vale toda a capela onde ele se encontra.  



Quinta da Moita Longa



[1] José Manuel Landeiro, in Alvorada, 17 de Setembro 1970
[2] José Manuel Landeiro, in Alvorada, 9 de Agosto de 1970

Apresentação do livro no Centro Cultural da Nazaré
no próximo dia 7 de Agosto (6ª feira) pelas 21:30 horas

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Thursday 30 July 2015

OS ADMINISTRADORES DO MORGADO DA QUINTA DA MOITA LONGA





Francisco de Carvalho Figueira
1º Administrador do morgado da Quinta da Moita Longa

 A Francisco de Carvalho Figueira, filho do desembargador Francisco de Carvalho e de Joana Delgada, veio a caber, por herança de João Delgado Figueira, o morgado da Quinta da Moita Longa, que no início do séc. XVIII rendia não menos de 400.000 reis por ano[1].

  Francisco de Carvalho Figueira nasceu em Coimbra, onde foi baptizado na igreja de S. Bartolomeu, a 7.1.1644. Casou com Isabel Maria Figueira, baptizada na igreja de Nossa Senhora da Ajuda, em Peniche, filha de Manuel Martins Figueira, piloto de navios, e de Maria Figueira; neta paterna de Fabião Martins e de Isabel Franca; neta materna de Francisco Figueira e de Isabel da Paz.

   Francisco de Carvalho Figueira foi cavaleiro professo da Ordem de Cristo e procurador da Confraria das Almas de Nossa Senhora da Ajuda, em Peniche.

  Foi Familiar do Santo Ofício em 25 de Junho de 1669.

  Para assinalar a data, mandou pintar um retábulo de madeira, com o seu rosto e a sua devisa: “SOLIDEO HONOR ET GLORIA EST”. Este retábulo, está no tecto da sala de jantar da casa da Moita Longa.

E teve,

José de Carvalho Figueira
2º Administrador do Morgado da Quinta da Moita Longa

O capitão José de Carvalho Figueira, foi baptizado em Peniche na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda.

Casou com Josefa Maria Franca, filha de Gaspar Franco Durão, capitão de navio, e de Maria Franca. E tiveram,
  
Fabião de Carvalho Figueira
3º Administrador do Morgado da Quinta da Moita Longa

Fabião de Carvalho Figueira, baptizado na igreja de S. Leonardo da Atouguia da Baleia, foi comendador da Ordem de Cristo em 12.3.1716, ouvidor do conde da Atouguia, oficial da Câmara da Atouguia, assistente na Quinta de S. Mamede – na aldeia do mesmo nome –, termo de Óbidos.

Casou com Francisca Caetana Cervantes de Alarcão, filha de António da Silva Madeira e de Antónia Cervantes de Torres, e neta do capitão Sebastião Vaz Domingos. E teve:

José António de Carvalho Figueira
4º Administrador do Morgado da Quinta da Moita Longa

José António de Carvalho Figueira, foi capitão e comendador da Ordem de Cristo.

Casou na igreja de S. Pedro, em Torres Vedras, com Maria Eugénia Rita Porfíria de Figueiredo Cabral, nascida em 16.2.1716, filha do capitão João Delgado Figueira e de Catarina Margarida Aguilla de Figueiredo e Carvalho.

José António de Carvalho Figueira faleceu em 1792.


   




A.               António Norberto de Carvalho Figueira. Nasceu na Quinta da Moita Longa.



Quinta da Moita Longa

Casou com Cândida Herculana Ferreira da Silva, filha do major José Ricardo Ferreira, fidalgo da Casa Real, e de Balbina Tecla da Silva Franco.

Foi sargento da Marinha Real, assistente na cidade de Lisboa, irmão da Santa Casa da Misericórdia de Peniche, irmão da Ordem Terceira de S. Francisco, em Peniche, e escrivão dos órfãos de Peniche e Atouguia.

B. José Ricardo de Carvalho Figueira. Casou a primeira vez com Maria do Carmo de Mendonça Amália Feo e Torres, 8ª filha do morgado do Sanguinhal, Francisco da Silva Torres, fidalgo da Casa Real. Tiveram,

Maria Amália do Carmo Feo Arce e Mello de Carvalho Figueira, que residiu naquele que é hoje o actual cartório paroquial de Peniche (Stella Maris). Faleceu em Peniche a 28.4.1864.

José Ricardo de Carvalho Figueira, casou segunda vez com,

Carolina Barbosa de Barros Vasconcellos da Cruz Sobral, filha do general Francisco Maria Melquíades da Cruz Sobral (que participou nas Campanhas de 1.8.1833 até à Convenção de Évora-Monte, em 1834, contra os miguelistas), governador do castelo de Viana do Castelo, comandante da Guarda Municipal do Porto, Chefe do Estado Maior da 3ª Divisão Militar e da 5ª Divisão Militar, comendador da Ordem de S. Bento de Aviz. Foi condecorado com a medalha das Campanhas da Liberdade.
    
C. Maria Eugénia de Carvalho Figueira. Casou com o Dr. Francisco de Paula e Silva, cirurgião da Real Câmara e Primeiro Cirurgião do Hospital Militar da Corte.

D. Pedro Cervantes de Carvalho Figueira, cônsul de França, casou com Gertrudes Fortunato Souto. Tiveram,

António Maria Souto Cervantes, capitão de artilharia, cavaleiro da Real Ordem Militar de S. Bento de Aviz.

Casou com Maria da Glória de Barros e Vasconcellos da Cruz Sobral.

E. Balbina Cândida de Carvalho Figueira. Casou com Miguel Osório Rodrigues da Silva.

F. Francisca Bárbara de Carvalho Figueira. Casou com João Correia de Mesquita, general da Brigada de Artilharia.

G. Catarina Margarida Martiniana Figueira Cabral. Casou com Francisco Correia de Mesquita, assistente no lugar de Merceana, termo de Aldeia Galega, filho de Simão Correia de Mesquita e de Luísa Maurícia Freire.

H. José Joaquim de Carvalho Figueira. Foi vigário no Vimeiro.

I. Estêvão Telles. Foi coronel do exército. Desembarcou com D. Pedro no Mindelo, entrou na guerra civil e nas campanhas liberais. Foi governador do castelo da Foz do Douro, onde faleceu.

J. Francisca Bárbara. Casou com Luís Figueira Machado Alemão, fidalgo de cota de armas em 1767, sargento-mor, superitendente-geral das Coudelarias, ouvidor juiz dos Direitos Reais, almoxarife, juiz sesmeiro, juiz ordinário e vereador da Lourinhã.

Pedro Cervantes de Carvalho Figueira
5º Administrador do Morgado da Quinta da Moita Longa

Pedro Cervantes de Carvalho Figueira, foi magistrado.

Por morte do seu irmão, José António de Carvalho Figueira (4º Administrador do Morgado), administrou o morgado da Quinta da Moita Longa durante a menoridade de seu sobrinho, Fabião de Carvalho Figueira c.q.s.s.  

Fabião de Carvalho Figueira
6º Administrador do Morgado da Quinta da Moita Longa

Fabião de Carvalho Figueira[2], filho de José António de Carvalho Figueira (4º administrador do Morgado), nasceu em Peniche e foi baptizado na igreja de Santa Maria do Castelo da Lourinhã.

Foi irmão da Irmandade do Santíssimo Sacramento da igreja de S. Pedro, em Peniche, juiz e vereador da Lourinhã.

Casou com Maria do Carmo Figueira, a 23.5.1793, filha de Ana Luísa Figueira Carvalho, e neta de Luís Figueira Machado Alemão.


Fabião de Carvalho Figueira
7º Administrador do Morgado da Quinta da Moita Longa

Fabião de Carvalho Figueira, casou com Ignês Maria, filha de Félix António e de Maria Rita. A 15.11.1841, apresentaram um decreto com o seguinte teor: Fabião de Carvalho Figueira celebrou o seu matrimónio com Ignês Maria, onde declaram que antes do dito matrimónio tiveram dois filhos, Herculana e Gabriel, que foram baptizados por filhos de pais incógnitos e pedem então para que nesta data sejam legitimados.


Gabriel de Carvalho Figueira
8º Administrador do Morgado da Quinta da Moita Longa

Gabriel de Carvalho Figueira, supracitado, foi o último administrador do Morgado da Quinta da Moita Longa. Nasceu a 12.3.1839 e foi baptizado[3]na igreja de Santa Maria do Castelo da Lourinhã a 18.3.1839, tendo como padrinhos José Pinto de Queiroz e Mariana dos Anjos Rocha (minha trisavó materna). Foi provedor da Santa Casa da Misericórdia da Lourinhã e casou com Maria Gertrudes Ferreira de Carvalho, irmã do senhor do Morgado da Maceira.
      



[1] Augusto Ferreira do Amaral, Barretos e Outros, contendo subsídios para a genealogia de Gil Vicente,pág.12, Lisboa / Rodrigo Cervantes (Manuscritos), Peniche
[2] No próximo ponto deste anexo, está a genealogia de Fabião de Carvalho Figueira
[3] IAN/TT, Registos Paroquiais, Lourinhã, Baptismos, L. 18

Apresentação na Feira do Livro e das Artes da Figueira da Foz
no próximo Domingo (21:30 horas)

Clicar na imagem para ampliar o cartaz.
Apresentação do livro na FIGUEIRA DA FOZ, no próximo Domingo dia 2 de Agosto às 21:30 horas. Na Feira do Livro e das Artes em colaboração com "Ao Pé das Letras" (Ericeira).

Wednesday 29 July 2015

JOÃO DELGADO FIGUEIRA INSTITUIDOR DO MORGADO DA QUINTA DA MOITA LONGA

Tem causado alguma estranheza o facto de na capela da Moita Longa existir um fresco de uma Aparição de Cristo à Virgem Maria, onde Esta aparece com barba. E a verdade é que não são efeitos do tempo nem humidades. Tal como vem explicado no livro, é um jano, que representa simultaneamente Nossa Senhora e D. Afonso Henriques.

 No fresco, em baixo, pode ler-se uma legenda em latim medieval, que diz:

Regina Celi Letare



Rainha do Céu Alegrai-vos

Mesmo assim, e apesar de não restarem dúvidas de que uma das faces do Jano é, efectivamente, Nossa Senhora, há quem não aceite tamanha ousadia. Por mais explicações que se dêem, consideram esta pintura, uma heresia.

Agora a questão que se coloca é a seguinte:

No topo e ao centro do altar de talha dourada da capela, está esculpido o brasão do bispo João Delgado Figueira, instituidor do Morgado da Quinta da Moita Longa (1650). E a verdade é que o dito brasão está praticamente encostado ao fresco que contém a imagem com barba.

Será que o bispo não se apercebeu do que ali estava?

Convenhamos que é uma possibilidade muito remota, para não dizer impossível. Ainda por cima se tivermos em conta que o bispo João Delgado Figueira, segundo rezam as crónicas, foi o mais temível dos inquisidores que a História de Portugal conheceu.

Não! João Delgado Figueira sabia muito bem qual o significado e o simbolismo do fresco. E as razões que o levaram a adquirir a Moita Longa, ter-se-ão prendido certamente pelo facto de ter tido conhecimento da presença dos Templários neste lugar tão afastado do mundo.

Foram inúmeros os cargos e atribuições de João Delgado Figueira, que para além de bispo, era letrado, e também conhecido por Dr. João Delgado Figueira.


    
Henrique Fernandes. Natural da Atouguia, cavaleiro fidalgo da Casa Real, paceiro dos Paços da Serra da Atouguia, recebedor das sizas de Assumar[1]. Casou com Isabel Figueira, e tiveram,

Brás Figueira. Casou Brites Delgada na igreja de São Leonardo, em Atouguia da Baleia, em 17.2.1577, filha de João Vaz e de Maria Delgada, descendente de Gaspar Delgado, alcaide de Óbidos[2]. E tiveram,

Maria Delgado Figueira. Casada com o capitão Amador Lousada, mestre piloto de navios,

Luísa Delgado Figueira,

João Delgado Figueira. Instituidor do Morgado da Quinta da Moita Longa. Foi baptizado na Igreja de São Leonardo da Atouguia da Baleia, a 2 de Junho de 1585. Morreu a 16 de Maio de 1654.

Manuel Figueira Delgado. Casou a primeira vez com Maria Freme de Macedo, e a segunda com Isabel do Rego, a 26.11.1639, na igreja de S. Pedro, em Torres Vedras. Foi desembargador, juiz de fora em Arronches, juiz do crime em Lisboa, procurador dos réus do Santo Ofício, corregedor da comarca de Castelo Branco. Foi o primeiro corregedor que foi mandado para os Açores.

Isabel Delgada Figueira. Casou com Jorge Martins de São Paio, Familiar do Santo Ofício, filho de Jorge Martins e de Leonor de São Paio, senhores da Quinta do Paço, termo de Cadaval.

Joana Delgada. Casou com o Dr. Francisco de Carvalho, bacharel em 1626, juiz do fisco em Évora e Coimbra, desembargador da Casa da Relação do Porto.

Joana Delgada instituiu uma capela na igreja de S. Leonardo da Atouguia da Baleia – conforme está inscrito na lápide tumular da mesma – cujo Arco firma o brasão de armas dos Figueiras (de Chaves) e Delgados.

Nesta capela, para além da instituidora, e seu marido, encontra-se sepultado o bispo e inquisidor João Delgado Figueira,

Catarina Figueira Delgada. Foi beneficiária, em 16.7.1655, da tença de 50.000 reis, devido aos serviços prestados por seu irmão João Delgado Figueira,

António Delgado Figueira. Foi clérigo, comissário do Santo Ofício, e vigário da igreja de S. Leonardo.


Igreja de São Leonardo


O brasão de armas que representa a família Delgado Figueira, tem a seguinte descrição:

Dourados e iluminados com cores e metais, um escudo esquartelado, no primeiro e quarto quartel as armas das Delgados, de vermelho, com um limoeiro verde, arrancado e frutado de ouro, acompanhado à esquerda de uma galgo de prata, coleirado de azul, preso ao tronco por uma cadeia de ouro.

No segundo e terceiro as dos Figueiras, que são, em campo vermelho, cinco folhas de figueira de sua cor, perfiladas, encravadas de ouro, postas em sautor, com quatro chaves adossadas de prata - duas postas em pala, com seu palhetão para cima - mais duas, uma na parte superior e outra na inferior em sautor, deitadas. Timbre: A parte superior da armadura em cor de prata, constituída por elmo, viseira e babeira, com duas chaves no cimo, passadas em aspa.

O escudo e armas poderá usar esta nobre família, e com elas poderá entrar em batalhas, reptos, escaramuças e exercitar todos os outros actos lícitos de guerra e paz.

Assim mesmo as poderá trazer em seus firmais, anéis, sinetes e devisas; como colocá-las em suas casas, capelas e demais edifícios, e deixá-las sobre a sua própria sepultura. Finalmente se poderá servir, honrar, gozar e aproveitar delas em todas a parte de como à sua nobreza convier.

Subsistem hoje três monumentos heráldicos deste brasão: um, de pedra, firmando o arco duma capela lateral da igreja de S. Leonardo (Monumento Nacional), em Atouguia da Baleia; outro, em Peniche, na casa onde viveu João Delgado Figueira. E outro, no arco da Quinta da Moita Longa.

O exterior e interiores da casa de Peniche – bem como todo o seu mobiliário –, conservam-se exactamente como há 350 anos atrás. Na sala de jantar ainda se pode ver o missal aberto numa pequena capela e, no tecto, o brasão de João Delgado Figueira. No quarto está exposta a sua cruz episcopal.



Quinta da Moita Longa – Brasão de João Delgado Figueira

João Delgado Figueira era uma pessoa de muito baixa estatura. Junto à sua cama está um escadote com dois degraus.

João Delgado Figueira foi magistrado e desembargador da Casa da Suplicação.

Em Fevereiro de 1616, tomou posse do cargo de promotor do Santo Ofício na Índia, onde chegou em 1617.

Em 1625, foi nomeado Primeiro Inquisidor de Goa, cargo que ocupou até 1633.

Em 1640, recebe carta de pensão de bispado. Foi posteriormente inquisidor de Évora a 24 de Janeiro de 1635[3] e inquisidor de Lisboa a 25 de Janeiro de 1641[4].

A 14 de Dezembro de 1643, passa à condição de deputado do Conselho Geral do Santo Ofício, pois tinha sido nomeado conselheiro do recém-criado Conselho Ultramarino, uma das mais importantes estruturas do Estado reorganizado depois da Revolução de 1640[5].


     CARTA DE PENSÃO DE BISPADO[6]

Eu El Rei faço saber aos que este Alvará virem que havendo respeito aos serviços que o inquisidor João Delgado Figueira fez neste Estado da Índia desde o ano 617 até o de 633 nos cargos do Santo Ofício inquisidor daquele Estado e no de Juiz de Segunda instância dos cavaleiros e no bom procedimento com (...) nas mais coisas de que foi encarregado E estar servindo de inquisidor da inquisição da cidade de Évora em satisfação de tudo hei por bem e me praz de lhe fazer mercê além de outros que pelos mesmos respeitos lhe fiz de oitenta mil reis de pensão nos Bispados (...) E para minha lembrança e sua guarda lhe mandei passar este Alvará que se lhe cumpria inteiramente como se nele contem E não pagou(...) a (...) desta mercê por ser de bens eclesiásticos E não dever por... António de Morais o fez em Lisboa a 15 de Junho de 1640. Pedro de Gouveia de Melo o fez escrever. Rei.

A INQUISIÇÃO DE GOA

A Inquisição goana era pelos seus rigores reputada a pior das inquisições existentes no orbe católico das cinco partes do mundo, no sentir unânime dos escritores nacionais e estrangeiros[7].


Inquisição de Goa

João Delgado Figueira envolveu-se num conflito com o vice-rei, conde de Linhares, apostado em moderar a influência do Santo Ofício na Índia.

Aquando de uma visita de inspecção ao tribunal da Inquisição de Goa, em 1632, pelo visitador e inquisidor de Lisboa, António de Vasconcelos, cavaleiro da Casa Real, o inquérito prolongou-se de 29 de Outubro até 7 de Fevereiro de 1633. O registo dos interrogatórios de todos os funcionários revela um número de acusações esmagador, contra o Primeiro Inquisidor de Goa, João Delgado Figueira:


LIVRO DA VISITA[8]
1ª Via

Vai imperfeito por emendar e diminuto por não haver tempo respectivo da pressa com que partem essas embarcações.

Relatório das principais culpas que a Mesa desta Inquisição resultam contra os ministros dela presentes e ausentes pela ordem  desses degraus.

Por António Dias Vasconcelos visitador da mesma e Inquisidor de Lisboa. Secretário o Padre António de Andrade Provincial actual da Companhia de Jesus.
    
1.  Costumam os inquisidores ausentar-se da cidade duas ou três vezes cada ano ficando a Inquisição fechada 12 e 13 dias.
2. Não quer João Delgado que se guarde o Regimento.
3. Não quer que se dê cadeira de espaldas aos cónegos de Goa porque lhe negaram um benefício a um seu criado.
4. Abre em sua casa as cartas da Mesa ou sejam do Reino ou de outras partes. Do ano passado e do presente tinha na gaveta e um Livro do Secreto meteu nela havendo-o todo em sua casa. Que trata os oficiais com aspereza e descortesia e o mesmo faz aos presos e mais pessoas.
5. Teve em sua casa os livros das ordens do secreto e os mandou trasladar por canarins e o modo de processar.
6. Faz e tira os deputados por respeitos particulares sem outro inquisidor.
7. Fez comissários do Santo Ofício pessoas defeituosas.
8. Passou comissões a Francisco Simão, cristão-novo que estava duas léguas dessa cidade em coisas de muito porte e sendo homem de manha.
9. Cometeu um auto-de-fé e para isso se reservaram pessoas que estavam para sair no auto público de Goa.
10. Francisco Simão e outras pessoas intercederam por pessoas culpadas e João Delgado as favorecia.
11. Foi Porteiro Marçal Branco e o fez João Delgado, sendo cristão-novo.
12. Que é por extremo áspero de condição e amainado o seu parecer.
13. Não quis que se celebrassem autos-de-fé por não assistir o vice-rei a eles.
14. Houve indícios que concorrera na morte de João Fernandes de Almeida. Temeu Francisco (...) que lhe desse peçonha.
15. Com todos os Vice Reis desse tempo teve quebras e pôs em risco a Inquisição.
16. Que trata todas as matérias de justiça com paixão e respeito próprio.
17. Não castigou Isidoro de Lima, cristão-novo, denunciado.
18. Mostrou grande vontade de prender D. Ana Rabelo por ser parenta de João Rabelo.
19. Dois homens prendeu por confessarem extra muros, somente por sustentarem mestiços.
20. Prendeu nos cárceres secretos o João da Costa, português, cristão-novo, por dar uma fenda de uma ponte de noite ao meirinho.
21. Mandou prender absoluto um homem por lhe matar um cafre que o ia roubar.
22. Mandou prender nos cárceres secretos gentios porque não queriam emprestar vestidos para os penitenciados que haviam de sair num auto. Prendeu no aljube o mestre de obras.
23. Prendeu nos cárceres secretos dois pedreiros porque não se apressavam com as obras, não lhes pagando.
24. Denunciaram na Mesa três pessoas e por os ratificantes dizerem que (...) foram presos.
25. Prendeu nos cárceres um reconciliado porque não pagava.
26. Não castigou grandes insolvências que fez Frei António do Rosário e poupou sendo comissário por peitas que lhe mandou.
27. Fez eleger notário um Frei Simão da Trindade, cristão novo, por respeito de frei Simão.
28. Fez muitas romarias em companhia do Promotor.
29. Dissimula as faltas do solicitador por grande amizade que tem com ele.
30. Sempre teve pouca paz com os inquisidores seus companheiros.
31. Tem amizade com os cristãos-novos contra gente ruim.
32. Não castigou António Galvão Godinho, cristão-novo seu amigo, porque lhe mandou presentes e peças.
33. Tem trato com Gonçalo da Costa Pimenteiro contra os quais procede a inquisição conforme o Regimento.(Rabelo: tenho uma certidão tirada de João Carvalho defunto mas não está ainda justificada (...) uma carta de João Delgado para o Pimenteiro).
34. Manda e recebe encomendas por via de cristãos-novos com violências.
35. Recebe peitas ainda de pessoas culpadas do Santo Ofício.
36. Negociou sempre para tornar a vender com cautela mas com trato grosso.
37. Meteu-se nas coisas do Santo Ofício por respeitos particulares.
38. Que manda tomar carne para pessoas fora da Inquisição.
39. Favoreceu muito Valentim Preto sendo preso por intercessão de Frei Simão.
40. Levava para casa os papeis e processos do Secreto sem os contar estão assinados para fazer os assentos.
41. Tirou da casa do Secreto um saco de dinheiro em ouro e o levou para casa sem contar nem pesar. E note-se que tem o selo do Santo Ofício.
42. Levou o Conde vice-rei com muita gente a ver os cárceres secretos.
43. Não manda escrever formalmente o que dizem os presos.
44. Não executou uma denunciação contra Diogo Moniz por ser casado com sobrinha de Francisco de Sousa Falcão seu amigo e mau homem.
45. Não assiste ao tormento e fica lesa a justiça na execução dele.
46. Foi muito benévolo com Francisco de Miranda por respeito de Frei Simão.
47. Não deixa ao promotor apelar das despesas da Mesa.
48. Mandava as sentenças para as suas terras sem as ratificar.
49. Que tomara e comprara mal fazenda que ficou João Fernandes de Almeida.
50. Mandou que não obedecessem nem acompanhassem os homens ao meirinho.
51. Trouxe aos ganhos quatro ou cinco mil cruzados em nome de Francisco de Sousa seu amigo.
52. Disse que mais respeito se devia às casas da inquisição que a Igreja em que estava o Santíssimo Sacramento.
53. Não quer pagar dívidas da Inquisição fazendo violências às pessoas.
54. Ainda sendo promotor denominou os inquisidores e depois muito mais.
55. Mandou aos franciscanos que não tivessem  por cristão-novo a Frei Simão.
56. Não há eleição de frades nem da cidade em que não se meta Frei João.
57. Tem muita fazenda e a mandou a Portugal sendo sempre grande Casa.
58. Despendeu na Mesa um soldado nobre sem causa que lhe lograsse.
59. Consentiu que esse frade sendo cristão-novo servisse de notário e o fez eleger.
60. Passou-lhe comissões sabendo que era cristão-novo e havendo indício que escutara a confissão sacramental.
61. Fez Familiar António de Araújo Teixeira, seu parente, sem diligências.
62. Indícios que há contra ele na matéria da castidade.
63. Fez favores a António de Mendonça preso por respeito de Frei Simão.
64. A Salvador Preto perdoou degredo pela mesma causa.
65. Fez a Mateus Gomes que passasse uma certidão a Miguel Botto de como era ministro da inquisição havendo cometido graves culpas porque foi mandado despedir pelo Conselho.
66. Jorge de Sousa Pegado foi muito mal tratado por ele enquanto não soube que ia ameadar muita fazenda ao frade.
67. Diogo Rabello não foi castigado sendo outros muitos do mesmo e por ser sobrinho de Paulo Rabello que então era seu amigo.
68. Não castigou Pedro de Amaral não querendo tomar o tratamento que lhe devia por ser seu amigo.
69. António Gomes da Costa se fez Familiar e soltou um preso do Santo Ofício e não o castigou por ser amigo de seu sobrinho António Mendonça.
70. Condenou as partes a Mateus Pires Familiar injustamente e confiaram.
71. Diogo Lopes da Fonseca cristão-novo não foi castigado e lhe passou certidão de cristão-velho e peitas.
72. Não castigou António Galvão Godinho, cristão-novo, recebeu dele muitas peitas.
73. Foi sempre procurador de várias pessoas poderosas por peitas.
74. Impediu uma obra que se fazia contra vontade de uma sua parenta com o braço do Santo Ofício.
75. Arrecadou dinheiro da mesma parenta com uso em nome do Santo Ofício.
76. Autuou um crime em que era com um escravo do porteiro e o privilégio.
77. Não acertava nem mandava publicar os mandados dos Senhores Inquisidores Gerais.
78. Fez votar o promotor em um processo em que era presente.
79. Não reza o ofício.
80. Arrecadou de uns gentios com ferros muito dinheiro e com ameaças.
81. Retém por força alheia confiando dos servidores.
82. Mandava a um sobrinho que fosse martirizar um homiziado.
83. Fez por força grande que um gentio cumprisse um contrato.
84. Mandara pagar a Miguel Botto seu parente, 360 reais de carceragens.
85. Fez todas as despesas da Inquisição sem as comunicar a António de Faria.
86.  Fez com que se alterasse um assento da Mesa.
87. Fez os assentos dos processos antes de se votar neles.
88. Deixou servir dentro dos cárceres de guarda alcaide, dois cunhados.
89. Tem em sua mão 700 e tantos larins da Inquisição, parece que estão lançados no Livro da Receita.
90. Não quer que se acusem os culpados por que usam de apurar.
91. Fez que António da Cunha que se fez mouro sendo preso fosse despachado como apresentado.
92. Miguel Botto, guarda, não requereu contra ele nem o castigou tendo graves culpas.
93. Passou uma comissão a Frei Simão para o livrar da obediência do prelado.
94. Não puxou pelo crime de bigamia de que foi denunciado Filipe de Gouveia.
95. Fez queixas o Conde da paixão que João Delgado Figueira mostrava sempre nas matérias de 2ª instância. A mesma fizeram a Faria, Frei João de Abrantes e o Promotor.
96. Acompanhava-se com os ministros dos cárceres deixando-os desacompanhados.
97. Os cárceres se visitam cada 4 meses.
98. Mandava pedir as chaves da arca do dinheiro a António de Faria.
99. Estilo que se tem com o Promotor que se dá aos presos.
100. Pagava mal as partes que vai das dívidas.
101. Que sendo Promotor era muito desautorizado.
102. Fez vigia das obras dos cárceres um capelão seu mouro e cristão-novo.
103. Passos que fazia desautorizadamente.
104. Foi o princípio de se porem suspeitas aos ministros do Santo Ofício.
105. Fez comprar a Inquisição umas casas de sua parente e que estão fora do campo da Inquisição.
106. Não castigou Jácome Francisco, Familiar que fez grandes insolências.
107. Despediu um homem do meirinho contra razão.
108. Reservou para si as obras dos cárceres por respeitos próprios.
109. Intimidou um cristão-novo que trazia uma demanda do Santo Ofício.
110. Fez prender o notário Gaspar do Amaral pelo Tribunal.




O CONSELHO ULTRAMARINO

O Conselho Ultramarino foi criado no ano de 1642, para o que se elaborou o respectivo regimento.

Presidia D. Jorge de Mascarenhas, marquês de Montalvão e antigo vice-rei do Brasil, [cunhado de Fernão Martins Mascarenhas, casado com Joana de Brito, bisneta de André da Silveira do Pó], formando o novo órgão dois fidalgos peritos na arte de guerra (Jorge de Albuquerque e Jorge de Castilho) e o conselheiro letrado Dr. João Delgado Figueira.

Reuniam-se no Paço todas as manhãs, no Verão, das 7 às 10, e no Inverno, das 8 às 11, devendo [João Delgado Figueira] fazer “relações” e “consultas” escritas a submeter à aprovação de D. João IV.

Eram da competência do Conselho todas as matérias do Oriente e dos Estados da Índia, Brasil e Guiné e dos arquipélagos de São Tomé e Cabo Verde e de todas as mais partes ultramarinas, com excepção das ilhas da Madeira e dos Açores, e dos lugares de África. Tudo deveria ser tratado com a maior rapidez. Mal os navios aportassem em Lisboa, vindos do ultramar, logo o “correio oficial” era enviado para o Conselho, onde eram analisados todas as matérias e negócios, excepto a correspondência dos vice-reis e outros altos funcionários que se destinavam ao rei.

[Entre as atribuições de João Delgado Figueira, contava-se] o estudo de requerimentos de mercês, pareceres sobre a administração colonial, relatórios sobre frotas e gente de armas que deviam seguir igualmente para o Ultramar, assim como os seus gastos e despesas. As votações no Conselho eram secretas e não podiam ser divulgadas antes de D. João IV as conhecer.[9]


[1] IAN/TT, Chancelaria de D. João III, L. 29  f.51 / L. 58  f. 92 / L.16  f. 133 v
[2] IAN/TT, Habilitações do Santo Ofício, Luís Teixeira Franco
[3] IAN/TT, CGSO, Inquisição de Évora, L. 147  f.149 v
[4] Idem, Inquisição de Lisboa, L. 105  f. 23 v,  f. 103 v
[5] Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Vol. V, pág. 88, Verbo, Lisboa, 1990
[6] IAN/TT, Chancelaria de D. Filipe III, f. 73 v
[7] Charles Dellon, Narração da Inquisição de Goa, prefácio de Miguel Vicente de Abreu, pág.21, Edições Antígona, Lisboa, 1996
[8] IAN/TT, CGSO, L. 185
[9] Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Vol. V, Pág. 88